segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Classic Albums - Pink Floyd - A história por trás de Animals




Após as gravações de Wish You Were Here, o Pink Floyd decidiu comprar o prédio localizado no número 35 da Britannia Row, em Londres. Trata-se de um antigo salão de igreja com três andares que serviria de estúdio e depósito para seu arsenal de PAs, sistemas de luz e efeitos de palco. Pela primeira vez eles teriam toda aquela parafernália de ponta sob um mesmo teto e a ideia seria alugá-la para outras bandas enquanto não estivessem na estrada. No intuito de se tornarem os reis do mercado desse tipo de aluguel, duas empresas foram criadas: a Britannia Row Audio, gerenciada pelo roadies Mick Kluczynski e Robbie Williams, e a Britannia Row Lighting, comandada por Greame Fleming. Infelizmente, o tempo mostrou que eram poucos que precisavam daquelas gigantescas torres de luz e dos mixers quadrifônicos em seus shows e, anos depois, boa parte dos equipamentos foi passada para frente.

A nova empreitada serviria de suporte como uma fonte de renda extra, mas principalmente para que pudessem gastar o tempo que fosse necessário para gravar os próximos álbuns e economizar com os gastos caríssimos da locação em estúdios de qualidade. O contrato original com a EMI previa que eles tinham tempo ilimitado no Abbey Road Studios, mas em contrapartida teriam que abrir mão de um percentual dos lucros. Com esse acordo expirado após WYWH, a medida mais sensata parecia apostar nesse novo empreendimento.

O estúdio de gravação ficava no térreo do prédio, o que demandou uma complexa instalação de esteiras, guinchos e empilhadeiras para que pudessem transportar toneladas de equipamentos para o galpão de depósito localizado no segundo piso. No último andar ficavam o escritório e uma mesa de bilhar, sugerida por Roger Waters para seu momento de fuga do stress das gravações.

Embora as empresas de arrendamento não tenham prosperado, o estúdio mostrou-se uma opção comercialmente viável. Projetado por Jon Corpe, sua estrutura era composta por um bloco de concreto chamado lignacite (mistura de areia, serragem e cimento) que acusticamente é menos reflexivo que o tijolo comum e proporcionava um som um único que seus concorrentes não tinham. Nick Mason detalha a sua estrutura: “Nossa intenção era construir uma concha aplicando todos os conhecimentos para garantir que qualquer imperfeição acústica pudesse ser ajustada com almofadas e materiais maciços. Escavamos o piso de forma a nos permitir fazer uma estrutura de blocos completos dentro do vigamento existente na edificação. A estrutura foi descansada em amortecedores isolantes fixados numa laje de concreto. Isso era necessário para prevenir as inevitáveis notificações vindas dos vizinhos, assim como para bloquear a trepidação causada pelo caminhões e ônibus que passavam pela estrada North Road que fica próxima ao local.”. Como sempre, perfeccionistas e inovadores.

Em abril de 1976 começaram a gravar novo material para o disco seguinte em companhia dos engenheiros Brian Humphries e Nick Griffiths. Naquele momento, já existiam duas músicas compostas que ficaram de fora do álbum anterior: Raving and Drooling, e You Gotta Be Crazy, que retrabalhadas transformaram-se em Sheep e Dogs, respectivamente.

Waters tinha vários cadernos em que anotava letras e ideias que surgiam em sua mente. Numa daquelas páginas, havia um rascunho para um projeto de filme junto com vários desenhos de máscaras de animais. O enredo da película tinha como pano de fundo um mundo distópico em que três subespécies representariam a raça humana: porcos tiranos, cachorros autocratas e ovelhas submissas, influenciado pelo livro “A Revolução Dos Bichos” de George Orwell. Embora ainda existissem alguns buracos no desenvolvimento da trama, essa foi a base que sustentou críticas ácidas ao sistema, consumismo e opressão num mundo repleto de desigualdades.  O baixista, que foi criado por uma mãe ativa no Labour Party, justifica suas ideias socialistas: “Quando eu era criança, sempre pensava que ter um monte de dinheiro era errado. Aqueles sentimentos de culpa nunca foram exorcizados.”.

Imagem da confusão em Notting Hill
Num contexto histórico, aquele ano ficou marcado pela violência que assolou o tradicional carnaval londrino que ocorre em Notting Hill desde 1966, resultando em cerca de 300 policiais feridos e mais de 60 prisões civis, muitas delas arbitrárias. O mesmo incidente é relatado na música White Riot do The Clash. Essa confronto serviu de inspiração para Sheep, que trata essencialmente da desordem social: “É uma música sobre revolução. Era minha ideia sobre o que ocorreria na Inglaterra e posteriormente aconteceu no tumulto em Brixton e Toxteth (1981).”, explicou Roger Waters.

Do outro lado do atlântico, jovens músicos apostavam numa nova fórmula com canções diretas, engajadas e não precisavam de muito mais que dois minutos e três acordes para expressarem sua raiva contra o sistema. Logo a imprensa musical abraçou essa causa e o Punk Rock chegou na Inglaterra com força máxima, surgindo grupos como The Damned, The Clash e os companheiros de gravadora, Sex Pistols, representando o oposto das apresentações pomposas e músicas longas dos “dinossauros” ELP, Yes e, é claro, o Pink Floyd. Em novembro de 1976, os Pistols lançaram o single Anarchy In The UK e viraram a cena musical inglesa do avesso. Eles ensaiavam no mesmo prédio na London’s Denmark Street em que a Hipgosis tinha seu estúdio. Storm Thorgerson e Aubrey Powell cruzavam direto com aqueles punks imundos nos corredores do prédio até que, num belo dia, Johnny Rotten apareceu vestindo uma camiseta do Pink Floyd com um emblemático “Eu odeio” logo acima do nome da banda. Powell se recorda: “Eu disse, ‘Você está me tirando?’ E ele respondeu: ‘Sim, estou tirando você e toda essa merda que vocês tocam.”. Apesar do incidente, na maior parte do tempo eles eram educados e gentis.

Em 1992, Waters provocou durante uma entrevista: “Quando aconteceu o punk? Eu nem percebi.”. Já Gilmour parece menos incomodado com essa história: “Eu acho que Rotten nos usou como uma espécie de símbolo, porque éramos um alvo com substância. Seria muito chato ter escrito ‘Eu odeio o Yes’ em sua camiseta.”. Anos mais tarde, ainda disse à revista NME: “Não acho que nos sentimos alienados pelo punk, apenas não acreditávamos que era algo relevante. Sempre fico maravilhado quando escuto músicos ingleses que eram grandes na era punk dizendo que adoravam tudo o que fazíamos – e isso inclui um membro dos Sex Pistols! Não, não vou contar quem é.”. Alfinetadas à parte, fato é que as letras de Animals eram tão corrosivas quanto qualquer mensagem punk. Mark Blake, conceituado jornalista e biógrafo da banda, pontuou felizmente que a mensagem “Estamos todos revoltados” por trás de Dark Side Of The Moon foi substituída por “A vida é uma merda” em Animals.

Ocorre que, naquele momento, o Floyd não era mais quem estava em evidência, como quando surgiram em Cambridge na metade nos anos 60 e exploraram a psicodelia musical e visualmente no underground londrino até se tornarem gigantes milionários e reconhecidos na década seguinte. Agora era a vez de uma outra geração surgir com uma nova forma de expressão artística e se deleitar na crista da onda. O próprio Nick Mason produziu o segundo álbum do The Damned, Music For Pleasure, no Britannia Row em 1977: “Mas isso apenas porque eles queriam que Syd Barrett o fizesse. Obviamente, ele não estava disponível e acho que ficaram bem desapontados de acabarem comigo.”. A única confusão propiciada pelos punks se deu quando um dos membros da equipe resolveu pichar todas as caras paredes de lignacite. Até mesmo a banda ficou envergonhada e decidiram limpar meticulosamente todas as manchas.

Internamente, Animals foi um marco na divisão de poderes entre os integrantes, o que resultou em brigas insustentáveis e na consequente separação anos mais tarde. Richard Wright, talvez o mais prejudicado quando passou a integrar a banda como músico contratado tempos depois, comentou sobre essa época: “Foi o período em que Roger realmente começou a acreditar que era o único capaz de compor na banda. Tive uma culpa parcial nessa situação porque não tinha muito o que acrescentar. Gilmour, que poderia oferecer muito mais, somente ajudou em algumas músicas ali.”. Na verdade, Gilmour apenas dividiu os vocais e compôs Dogs em parceria. Defendendo-se, Waters justifica sua prepotência: “Não existia espaço para que outra pessoa escrevesse. Se eu encontrasse uma sequência de acordes, certamente a usaria. Também não havia motivo para que Gilmour, Wright ou Mason tentassem escrever algumas letras, já que elas nunca seriam tão boas quanto as minhas.”.

Snowy White
Waters havia se separado há pouco tempo de sua mulher e escreveu na última hora Pigs On The Wing, uma canção de amor que serviria para aliviar a tensão do disco em homenagem à sua nova namorada, Carolyne Christie. “A primeira parte indaga ‘Onde eu estaria sem você’. A segunda diz: ’Diante de toda essa merda, sei que você está ao meu lado e isso torna tudo possível’”, explica o músico. Originalmente, a faixa continha um solo de Snowy White, músico contratado para servir como guitarrista e baixista de apoio para os shows, mas foi descartado quando dividiram a música em duas partes, abrindo e fechando o disco: “Achei que era necessário, caso contrário o álbum seria apenas um grito de raiva.”, explicou o baixista. Dividindo a faixa, os royalties que Roger receberia como compositor aumentariam, fato que acarretou muitas desavenças entre os músicos.

Responsáveis pelas capas desde 1968, a união entre o Pink Floyd e a Hipgnosis rendeu mais uma imagem icônica e memorável para a arte de Animals, quase tão famosa quanto o enigmático prisma de Dark Side. Num primeiro momento, Storm Thorgerson sugeriu duas ideias, ambas rejeitadas pela banda: uma criança segurando um ursinho de pelúcia espiando seus pais fazendo sexo e a imagem de patos presos por um prego na parede de uma sala de estar. Porém, Roger Waters sabia que poderia fazer melhor e concebeu a ideia do porco inflável sobrevoando as torres da Battersea Power Station que todos conhecemos: “Eu gostava do simbolismo bruto... via as quatro torres fálicas e o porco como um símbolo de esperança.”. A Usina de Força Battersea retrata um cartão postal impactante na paisagem londrina. Localizada nas margens do rio Tâmisa, foi projetada por Sir Giles Gilbert Scott (o mesmo da famosa cabine telefônica), teve a primeira parte finalizada em 1933 e consistia na união de duas usinas de forças. A segunda delas foi completada somente em 1953 e deu vida às quatro imponentes chaminés. Waters passava de carro em frente à usina praticamente todos os dias no seu trajeto para o estúdio, o que o inspirou para que surgisse com a ideia da capa.

Um porco inflável de nove metros de cumprimento preenchido com gás hélio, apelidado de Algie, foi encomendado pela empresa alemã Ballon Fabrik, a mesma responsável pela construção dos primeiros Zeppelins. Por segurança, contrataram um atirador para que acertasse o porco caso ele se soltasse das amarras em que foi preso. A primeira sessão de fotos foi marcada para 2 de dezembro, mas as condições climáticas não ajudaram.  No dia seguinte, embora o tempo estivesse melhor, o atirador não chegou no momento em que os trabalhos foram iniciados e, por conta de uma forte rajada de vento, Algie se soltou das amarras de aço e foi dar um passeio pelo céu de Londres. Aubrey Powell,  sócio da Hipgnosis e um dos responsáveis pelas fotografias, relembrou a confusão: “O Controle de Tráfego Aéreo começou a reportar o porco voador.”. Somente às 10 da noite ele foi encontrado numa fazenda em Kent. “O fazendeiro ficou furioso porque parece que o suíno gigante assustou todas as suas vacas.”.  No terceiro dia tudo ocorreu bem, mas as fotos não agradaram quando foram reveladas. A sorte foi que Howard Bartrop, um dos fotógrafos, ainda no primeiro dia olhou para as nuvens quando estava quase voltando para casa e resolveu tirar um último retrato: “O Sol estava saindo das nuvens mais baixas. Eu voltei e ajustei a câmera para a última fotografia com o Sol no horizonte.”. Esse último registro de Bartrop foi utilizado na colagem com o porco sobrevoando Battersea que está estampada na capa. “Se tivéssemos feito isso logo no começo, teríamos economizado milhares de libras”, admite Powell.

Algie na mira do atirador
O álbum teria sua estreia nas rádios durante o programa de Nicky Horne chamado Your Mother Wouldn’t Like It,  que era concorrente direto do famoso John Peel da BBC. A ideia era apresentar um especial  chamado The Pink Floyd Story contendo entrevistas feitas pelo próprio Horne que seria divido em diversas partes culminando na exclusiva première. Em 19 de janeiro de 1977, a EMI agendou uma audição para a imprensa na Battersea Power Station em que eram proibidas anotações dos jornalistas durante as músicas. Depois de seis semanas anunciando Animals com exclusividade, Horne estava ouvindo o programa de John Peel e não acreditou quando ouviu o lado A do disco sendo tocado na íntegra justamente um dia antes da sua programação. “Eu tinha feito um grande anuncio sobre a estreia no meu programa e na noite anterior não acreditei quando ouvi o John Peel tocando o primeiro lado do disco.”, relembra Horne. “E teve uma punhalada pelas costas: eu acho que Gilmour deu uma cópia a ele.”.

O lançamento ocorreu em 23 de janeiro, chegando ao número dois no Reino Unino e ao terceiro posto na América. “Eu não esperava que vendesse tanto quando WYWH. Não tinham muitas partes doces e cantáveis ali.”, recorda Gilmour. De fato, à exceção de Pigs On The Wing, esse era de longe o disco mais direto e cru registrado até então e, definitivamente, não foi feito pensando no topo das paradas de sucesso.

O show da turnê era um espetáculo à altura do que eles já tinham feito. Percebendo o espaço de palco necessário, o número de torres de luz, PA’s, pirotecnia e a quantidade absurda de energia que seria consumida para que tudo isso funcionasse, perceberam que as casas convencionais não suportariam tamanha demanda, sendo as arenas e estádios as únicas alternativas plausíveis. Dentre as atrações, figuravam um porco inflável que flutuava por cima da plateia até sumir atrás do palco e reaparecer mais tarde numa versão mais barata que desaparecia em chamas; fogos de artifício que quando explodiam lançavam paraquedas em forma de ovelhas; a imagem de uma família inflável composta por um homem de negócios, sua mulher e crianças surgindo em Dogs (nos EUA, os adereços também incluíam um carro, uma geladeira e uma televisão), além de várias animações de Gerald Scarfe, que foram aprimoradas. Numa nova atribuição, Nick Mason ficava incumbido de sintonizar ondas sonoras num rádio transistor no início de Wish You Were Here.

O espetáculo era divido em duas partes: a primeira contendo Animals rearranjado para que abrissem com Sheep, e a segunda tocando WYWH na íntegra, além de um bis com Money ou Us And Them. No papel tudo parecia maravilhoso, mas no decorrer da turnê foram revelados diversos problemas que afetavam a qualidade das apresentações. Acontece que diante de tanto efeitos de palco, o grupo deveria estar perfeitamente sincronizado com a equipe, o que não era sempre que ocorria. Para diminuir a incidência de erros, Waters passou a utilizar fones de ouvido que, se por um lado o ajudavam na parte musical, por outro representavam uma distancia da plateia cada vez maior. Concentrados e nervosos para não errar, todos tocavam de cabeça baixa, sem olhar para frente ou para os lados, o que começou a irritar o público, culminando numa carta de um fã ofendido num dos shows em Wembley publicada na Melody Maker, relatando ter visto Gilmour bocejar durante o show. A previsão de Richard Wright sobre se tornarem escravos de seu próprio equipamento parecia ter se concretizado.

Roger Waters usando fones de ouvido


Os shows a céu aberto traziam outras dificuldades. Tocando diante de um público de mais de 80 mil pessoas, o Floyd se deparava diante de fãs bêbados e drogados que não se concentravam na atmosfera e sutiliza musical que expunham, pouco se importando com o que estavam tocando. Gilmour relata essa experiência: “Parecia que estava fornecendo música para a festa de alguém. Roger não suportava isso. Eu tinha uma visão diferente, mas às vezes era difícil aguentar. Isso transformou o show porque não conseguíamos tocar as músicas mais calmas como antes.”. 

Em certo ponto da turnê, Waters começou a gritar números aleatoriamente durante a execução de Pigs (Three Different Ones). Somente após algum tempo perceberam que os números representavam quantos shows eles haviam feito até então, indicando uma contagem regressiva para o fim daquela tour infernal. Para piorar, sua saúde estava muito debilitada, até que minutos antes do show no Philadelphia Spectrum, um médico lhe receitou um relaxante muscular para que suas dores abdominais diminuíssem. O efeito do remédio lhe causou dormência nas mãos, de modo que não as sentiu durante a apresentação inteira. Tal evento inspirou a letra de Confortably Numb, presente no disco seguinte. Mais tarde, Roger foi diagnosticado com hepatite.

Fora dos palcos o clima estava cada vez mais tenso. Roger Waters se isolava do grupo chegando sozinho aos locais dos shows e não participava de jantares ou festas depois deles. Essa atitude incomodava demais Richard Wright, que chegou a sair do palco, entrar num avião e voltar para a Inglaterra. “Eu estava ameaçando sair, e lembro-me de ter dito: ‘Eu não quero mais isso’”, relembra o tecladista.

Toda a raiva sobre o que estava acontecendo veio à tona em Nova Iorque, 3 de julho, no Madison Square Garden. Muitos levaram os fogos de artifício que seriam utilizados no dia seguinte (Dia da Independência dos EUA) para o show. Em meio a pedidos por Money ou simples gritos de ”rock and roll”, a plateia começou a soltar fogos para todos os lados durante a acústica e bela canção de amor Pigs On The Wing. O público se recusava a ficar quieto e prestar atenção na música, então Roger gritou em alto e bom som: “You stupid motherfuckers! Shut the fuck up!”. Ele revelou anos mais tarde: “Eu me sentia mais e mais alienado em relação às pessoas que deveríamos entreter. Muitas pessoas iam aos shows porque não tinham mais o que fazer.”. Nick Mason recorda: “Os dias em que nossa plateia ficava num profundo silêncio prestando atenção em tudo que fazíamos definitivamente tinham acabado.”.

Três dias depois eles estavam em Montreal para realizar a última apresentação da exaustiva turnê. Foi nesse dia que tudo desabou de vez. Depois de muitos gritos e mais fogos de artifício, Waters se irritou com um fã em específico que, segundo o baixista, não parava de berrar sua devoção pela banda. Cego pela ira, o baixista caminhou até a beira do palco e cuspiu diretamente no rosto do fã. Curiosamente, “Who was trained not to spit in the fan”, Roger indagava na parte final de Dogs. No bis, todos voltaram para improvisar um blues lento, menos Gilmour, que ficou parado atrás da mesa de mixagem: “Pensei que era uma grande vergonha terminar uma turnê de seis meses daquela forma.”.

Após o show, Waters e o empresário Steve O’Rourke estavam brigando de brincadeira quando o baixista cortou seu pé sem querer. Uma limousine estava à disposição e Roger, sua namorada, o produtor Bob Ezrin e um amigo psiquiatra foram rapidamente para o hospital. Ezrin relembra os pensamentos que Waters compartilhou com todos dentro daquele carro: “Ele começou a falar sobre o sentimento de alienação da turnê e como sua mente imaginava construir um muro entre ele e a plateia. Meu amigo psiquiatra ficou fascinado.”. Em The Wall, essa parede foi literalmente construída.



quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Como Comprar? Rock Progressivo Italiano (Parte I)


A Itália não tinha muita tradição no rock até o final dos anos 60, produzindo apenas algumas bandas de beat sem muito sucesso. Porém, durante os agitados “Anos de Chumbo”, como ficou conhecido o período dominado por partidos políticos de esquerda entre as décadas de 60 e 80 em que ocorreram muitos ataques terroristas devido a conflitos decorrentes de visões extremistas, muitos escolheram a música para expressar sua revolta contra o status quo. Diante dessa efervescência, muitos jovens passaram a tocar música clássica com uma roupagem de rock, o que foi a base para o que conhecemos por Rock Progressivo Italiano (RPI).

Existem alguns elementos que tangenciam as bandas de Rock Progressivo surgidas naquele país durante os anos 70 que nos permite tratar esse estilo como um caso à parte. Primeiramente, percebe-se a clara influência de música erudita e o uso de referências à rica e diversificada música regional, como a ópera. Muitos elementos culturais também dão contornos à sua identidade, vide as famosas interpretações repletas de dramaticidade por parte dos vocalistas. Quem ouve Banco Del Mutuo Soccorso não duvida disso. Definitivamente as teclas (hammond, moog, piano, órgão, mellotron) comandam o RPI, sendo muito comuns a presença de flautas, violinos, violoncelos, além do uso, por vezes, de instrumentos típicos como mandoloncello e clavicembalo, que dão um tempero ainda mais especial para esse movimento.

É claro que a marca registrada da língua italiana não poderia deixar de ser comentada. Embora muitos discos-chave do estilo tenham sido traduzidos para o inglês em busca de reconhecimento internacional, a língua original não deve ser desconsiderada quando se quer entender o prog italiano. Inicialmente pode causar estranheza, mas conforme a audição vai fluindo, logo percebe-se que não existe idioma mais propício para harmonizar com a alma interpretativa do gênero.

Muitas dessas bandas conseguiram se manter por muito tempo e estão ativas até hoje, porém muitas estacionaram no primeiro registro, o que torna a pesquisa por grupos desconhecidos um garimpo quase infinito. Num primeiro momento, a intenção aqui é justamente apresentar dez das melhores bandas que lançaram apenas um disco, desconsiderando álbuns que algumas colocaram no mercado décadas depois, já que a imensa maioria não manteve a formação original e são títulos que não representam a época em que as bandas surgiram, sendo inexpressivos até mesmo para os mais entusiastas. Na segunda parte da matéria, serão incluídos grandes nomes como Premiata Forneria Marconi, Le Orme, Banco Del Mutuo Soccorso, Area, entre outros que tiveram uma carreira mais prolífica.

Por enquanto, esse é o Top 10 das bandas clássicas e obscuras de um só disco em ordem cronológica:




Reale Accademia di Musica - Reale Accademia di Musica (1972)

Inicialmente chamavam-se I Fholks e chegaram a abrir shows para o Pink Floyd e Jimi Hendrix em Roma, sua cidade natal, em 1968. Após algumas alterações na formação, mudaram o nome para Reale Accademia Di Musica e fizeram um relativo sucesso na época. Lembra um pouco o Locanda Delle Fate devido às belas linhas melódicas suaves. No geral é um disco de atmosfera serena e bucólica, à exceção de Vertigine, que é um pouco mais pesada.

Em 1974, ocorreram algumas mudanças no seu line-up e serviram como banda de apoio para o cantor e compositor Adriano Monteduro, lançando um único disco que foi co-creditado ao Reale Accademia, mas que tem uma sonoridade mais puxada para o soft rock e quase não lembra o rock progressivo que faziam em 1972.




Campo di Marte – Campo Di Marte (1973)

Quando foi gravado em janeiro de 1973, fazia pelo menos dois anos que o disco tinha sido composto e ensaiado. Essa demora atrapalhou a trajetória do grupo, pois seu líder já encaminhava outros projetos devido ao desânimo com o atraso do lançamento.

Campo di Marte foi inteiramente composto pelo seu guitarrista, líder e idealizador, Enrico Rosa. Musicalmente, ele foge um pouco do padrão do estilo já que o vocal é praticamente nulo, dando ênfase ao instrumental liderado pela guitarra, o que evidencia a sonoridade puxada mais para o Hard Prog como na faixa de abertura Primo Tempo, embora belos arranjos acústicos de violão e flauta se fazem presentes. Outro destaque é o baixo palhetado do americano Richard Ursillo, que por vezes remete ao mestre Chris Squire. Fato curioso é que Ursillo quis assinar os créditos como Paul Richard,  só para ter um nome que soasse menos italiano. Esse foi o único disco do RPI a ser lançado pela major United Artists.

Com o passar dos anos o disco adquiriu o status de cult, o que fez com que Enrico reunisse o grupo para alguns shows em 2003 e deles foi extraído o ao vivo Concerto Zero, que ainda traz uma apresentação de 1972 como bônus.




Museo Rosenbach – Zarathustra (1973)


Uma das bandas mais pesadas da cena, o Museo Rosenbach não pode passar batido de jeito nenhum.  Zarathustra, música divida em cinco partes abre a obra-prima passando dos 20 minutos. Baseada no livro homônimo de Nietzsche, possui um clima bem carregado com muitas levadas de Hammond e guitarras cortantes que cativam até o último instante. As outras três músicas restantes mantém a mesma atmosfera  tensa que o torna marcante e único dentre os demais conterrâneos. Acusados de envolvimento com o fascismo devido à presença da imagem de Mussolini na colagem da capa e às letras inspiradas em Nietzsche, sumiram do mapa com medo de retaliações do regime vigente, o que torna grupo ainda mais lendário. É o favorito da casa!




De De Lind - Io Non So Da Dove Vengo e Non So Dove Mai Andrò,. Uomo E’Il Nome Che Mi Han Dato (1973)

A Mercury Records não costumava lançar bandas de RPI, mas acertou em contratar o De De Lind, pelo menos do ponto de vista artístico. Hoje o disco original é uma raridade, mas a Vinyl Magic o relançou em CD (réplica do vinil) e numa bela versão gatefold em LP. Curiosamente, o título do álbum é um dos mais longos que já vi, que traduzido quer dizer algo como “eu não sei de onde vim e não sei onde estou indo. Homem é o nome que me foi dado.”.

Quando ainda eram um sexteto, gravaram três singles inexpressivos, mas em 1973 já haviam reduzido para cinco pessoas e registraram essa bela obra. Embora Gilberto Trama toque flauta, sax e teclados, sua especialidade era mesmo o sopro, com passagens remetendo a influências óbvias ao Jethro Tull como em Smarrimento, que define bem as alternâncias de belos arranjos acústicos com partes direcionadas à guitarra. Outro destaque é a utilização do tímpano, instrumento de percussão tipicamente utilizado em orquestras, o que confere tonalidades densas em certos momentos, como logo na faixa de abertura Fuga e Morte.

Após tocar em alguns festivais em 1973 nas cidades de Roma e Nápoles, a banda se desmanchou e o vocalista Vito Paradiso arriscou uma curta carreira solo de 1978 a 1980, mas o que importa mesmo é o legado deixado pelo De De Lind como um dos melhores álbuns do estilo.




Semiramis - Dedicato a Frazz (1973)

Quem ouve não acredita que esse grande clássico foi gravado por adolescentes com idade média de 15 a 16 anos. A maturidade e complexidade das composições não correspondem ao curto tempo de vida dos italianos prodígios. Cada faixa soa de um modo diferente, mas as influências de folk, música clássica, barroca, além de alguns experimentalismos, são unânimes entre elas. O vibrafone em Uno Zoo Di Ventre torna a música sublime e a complexidade de Per Un Strada Affolataé de cair o queixo! 

Michele Zarrillo, guitarrista e principal compositor, tornou-se um cantor muito popular na Itália durante os anos 80, mas sua carreira solo destoa bastante do que fazia na década anterior. Dedicato a Frazz tem nuances originais que os diferenciam das outras bandas, sendo essencial e surpreendente a todo momento, ainda mais quando pensamos na idade de seus integrantes à época.




L' Uovo di Colombo - L' Uovo di Colombo (1973)


Surgida em Roma, essa banda registrou grandes interpretações do vocalista Toni Gionta. A parte instrumental consiste num belo trio bateria (Ruggero Stefani), baixo (Elio Volpini) e teclados (Enzo Volpini) em que o último se sobressai aos demais, com a guitarra aparecendo em algumas ocasiões, como na marcante Consiglio.  Sua maior característica são as linhas melódicas, que não chegam a ser tão complexas quando comparadas a outros exemplares do gênero, como o Maxophone, por exemplo. O que atrai no disco é a fácil assimilação de suas oito músicas, que não passam dos cinco minutos. O grupo se desmanchou pouco tempo depois de seu lançamento por falta de apoio da gravadora e seus membros foram para outras bandas. Elio Volpino formou o Etna com seus ex-companheiros do Flea (on the honey), Gionta mudou seu nome para Tony Tartini e se envolveu com o Cherry Five e Rugerro foi tocar com o Samadhi.




Biglietto Per L’Inferno – Biglieto Per L’Inferno (1974)

Esse grupo de Lucca foi um dos mais populares durante o curto período de sua existência, sendo venerado por muitos fãs na época e ainda hoje mantém sua fama para as novas gerações. Sua música é caracterizada por rápidas transições de passagens acústicas para levadas agitadas de puro Hard Progressivo, como pode ser conferido na sombria L' Amico Suicida. A banda possuía dois tecladistas, Giuseppe Banfi e Giuseppe Cossa, o que torna as linhas do instrumento muito grandiosas. Apesar do nome, eles não tinham nada de satânicos e suas letras giravam em torno de temas sociais e psicológicos. Em 2004 chegou ao mercado o sonho de consumo para os colecionadores: um box completíssimo incluindo versões remasterizadas deste clássico e de um outro disco lançado em 1992, um CD ao vivo contendo uma performance de 1974, um DVD com imagens gravadas no mesmo período, além de um encarte com 116 páginas.




Maxophone – Maxophone (1975)

Esse único e excelente disco do Maxophone tem que entrar obrigatoriamente nas prateleiras dos fãs de Prog. Mistura influências de folk como o Jethro Tull, com um toque de Gentle Giant e melodias vocais que remetem aos melhores momentos do Genesis. Em faixas como Fase, a banda se aproxima do Jazz-Rock, mostrando a característica variada que o LP possui. O ponto-chave aqui é equilíbrio entre as músicas e as mudanças de andamento, o que torna a audição bem dinâmica. Disputa no topo da lista para ser considerado o melhor álbum de todos os tempos dentro do estilo.

Para celebrar os 30 anos da obra, a BTF lançou um box contendo um CD com dez músicas, dentre elas demos, sobras de estúdio, versões alternativas e um DVD com cinco faixas ao vivo e mais 20 minutos de entrevistas.




Locanda Delle Fate - Forse Le Lucciole Non Si Amano Piu (1977)

A presença de dois guitarristas e dois tecladistas é o diferencial para suas músicas influenciadas pelo lirismo e romantismo do país de origem, construindo, seguramente, um dos álbuns mais belos e sutis do estilo.  A suavidade dos arranjos percorre todas as faixas e é difícil apontar um destaque devido à sua uniformidade, mas ficaria com a instrumental de abertura A Volte Un Instante Di Quiete e a próxima, Forse Le Lucciole Non Si Amano Più.  Infelizmente o Locanda surgiu no fim do movimento progressivo na Itália, em 1977, pois certamente teria obtido mais êxito caso tivesse despontado anos antes enquanto a cena crescia. Quem gosta de progressivo sinfônico não pode deixar ouvir!




Buon Vecchio Charlie - Buon Vecchio Charlie (1990)

Uma das maiores injustiças da história do RPI, esse álbum foi originalmente foi gravado em 1972, mas ficou na gaveta até 1990 quando foi descoberto pela pequena gravadora japonesa Melos. A banda conseguiu mostrar seu talento ainda na década de 1970, chegando receber o título de “Melhor Banda Italiana” em 1974 no conceituado festival Rome Villa Pamphili. Mesmo assim, ninguém quis contratá-los.

Guiados pela flauta e com fortes influências de música clássica com toques jazz, seu som pode ser comparado ao Collosseum, Genesis, ELP sem dever nada para esses medalhões. Possui apenas três faixas que com certeza irão agradar aos apaixonados pelo estilo. A última, All'Uomo Che Raccoglie I Cartoni, é dividida em cinco partes, mas o destaque fica com a bem-humorada faixa de abertura Venite Giù Al Fiume.


terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Dark Side Of The Prog: Yezda Urfa




O Yezda Urfa é uma pérola do rock progressivo underground que levou o estilo ao seu limite, compondo músicas extremamente complexas com arranjos que lembram muito o Yes do começo da década de 70 e o Gentle Giant, inclusive nas suas vocalizações intrincadas, como pode ser conferido na faixa Flow Guides Aren’t My Bag, aqui.

Capa da demo Boris (1975)
A história dos americanos começou no final de 1973, quando seus integrantes ainda cursavam o ensino médio. Depois mais de um ano de ensaios, shows e gravações caseiras, era hora de dar um passo adiante. Todos se reuniram nos estúdios da Universal Recording, em Chicago, e gravaram todas as faixas de Boris em apenas alguns dias. Foram prensadas 300 cópias da demo que serviria como material de divulgação. A banda enviou o primeiro registro para várias companhias, inclusive viajaram até Nova Iorque para tentar a sorte distribuindo alguns exemplares de porta em porta nas grandes gravadoras e rádios.

Porém, todo o esforço foi em vão. Em 1975 ninguém estava interessado em contratar bandas que apresentavam um som tão complexo e detalhado como o  que o Yezda possuía, já que todos estavam apostando suas fichas na Disco Music. O máximo que conseguiram foram algumas transmissões em pequenas rádios de Chicago, como a Triad e a WXRT.

Capa de Sacred Baboon (1989)


Depois do fracasso, no início de 1976 decidiram gravar um álbum chamado Sacred Baboon no Hedden West Recorders, na cidade de Schaumburg, Illinois, visando ganhar mais visibilidade. Com 75% do disco já finalizado, a Dharma Records mostrou interesse em contratá-los, marcando uma reunião em sua sede na pequena Lybertyville, um subúrbio ao norte de Chicago. Porém o contrato que lhes foi oferecido não era nada atraente: a banda teria que terminar de bancar os custos da gravação, bem como os da divulgação do disco. Depois de um tempo pensando, decidiram recusar o acordo.

Nesse segundo registro eles lapidaram algumas faixas do Boris e ainda compuseram algumas novas. Mesmo soando mais inspirado e melhor gravado do que a demo, ninguém deu atenção aos americanos novamente. Depois de mais alguns anos tocando em pequenas casas e compondo canções esparsas, em 1981 decidem por um ponto final em sua história, priorizando outros trabalhos mais rentáveis e a vida em família.

Em 1989, Boris chegou nas mãos de Peter Stoller numa loja de disco em que trabalhava. Atraído pela alta qualidade do material, levou o disco para Greg Walker, executivo da Syn-Phonic, que procurou a banda e resolveu colocar no mercado Sacred Baboon pela primeira vez, treze anos depois de engavetado. Em 2002, a mesma gravadora relançou Boris. Existe ainda um ao vivo lançado em 2010 intitulado Live Nearfest 2004, contendo um show de reunião registrado no festival prog Nearfest nos EUA.

Hoje, o Yezda Urfa permanece inativo e desconhecido para o grande público, mas faz a cabeça dos aficionados por Yes, Gentle Giant, Echolyn e progressivo dos anos 70 em geral.