Pôster do filme com Boris Karloff |
A
história do quarteto mais famoso de Birmingham teve início em 1968, quando
ainda se chamavam Earth, mudando para Black Sabbath influenciados pelo filme de
terror homônimo com Boris Karloff que o
baixista Geezer Butler havia assistido num cinema próximo à sua casa e após
notarem que já existia outra banda usando o antigo nome. O grupo evoluiu muito
rápido e o saldo no final de 1970 já era gigantesco: dois discos lançados
figurando entre os vinte mais vendidos no Reino Unido, a estreia em LP marcava
presença nos Top 30 nos Estados Unidos, a música Paranoid tornou-se um single Top 5 em sua terra natal, além de
shows na América e por toda Europa.
Nesse
clima de euforia e para não perder o pique, no primeiro dia de Janeiro do ano
seguinte já agendaram uma sessão no Island
Studios em Londres, em companhia da mesma equipe que gravou os dois
primeiros discos: o produtor Roger Bain e o engenheiro de som Tom Allom, que
trabalharia futuramente com os conterrâneos do Judas Priest em clássicos
seminais da banda. Nesse estágio, o Sabbath já estava trabalhando nas músicas After Forever e Into the Void, embora essa última ainda se chamava Spanish Sid, sendo que as duas foram sendo
refinadas numa curta turnê que a banda fez ainda em Janeiro pelo Reino Unido.
Uma curiosidade que ronda essa sessão é uma faixa que a banda gravou contra sua vontade para ser lançada como single de estreia, intitulada Weevil Woman ’71’, que ficou de fora do lançamento oficial na
época e permaneceu guardada até lançarem a versão dupla expandida que saiu em
2009.
Depois
da tour no início do ano, a banda
voltou para o mesmo estúdio e gravaram o terceiro álbum de sua carreira entre
Fevereiro e Abril, o que era um longo período e uma novidade para eles até então:
“Tivemos dois dias para gravar nosso disco de estreia e não muito mais que isso
para o Paranoid. Aproveitamos a
oportunidade: Tony compôs peças de violão clássico, Geezer multiplicou o poder
de seu baixo, eu explorei os overdubs
e uma bateria com som mais grave, além de Ozzy estar muito melhor”, relembra
Bill Ward. A bateria a que ele se refere é a 600 Ludwig
Series.
Uma
outra mudança que surtiu efeito na banda decorreu do acidente de trabalho que
cortou a ponta dos dois dedos interiores da mão direita de Tony Iommi. Para
sentir-se mais confortável ao tocar, o guitarrista abaixou o tom do seu
instrumento para Ré. Consequentemente, Geezer também teve que mudar a afinação
de seu baixo e isso tornou o som do Sabbath muito mais grave, pesado e
sombrio. Tal afinação tornou-se marca registrada dos estilos Doom e Stoner, além influenciar toneladas de bandas modernas até hoje.
Até
então eles ainda tinham controle sobre os excessos que cometeriam anos mais
tarde. A insanidade que foi o abuso de drogas que tomou conta de todos ainda
não havia os atingido: “Não é que não existiam drogas ou álcool por perto, mas
naquela época ainda tínhamos controle desses hábitos. Conseguia me drogar e
gravar logo em seguida, beber num pub e saber a hora de parar. Isso somente se
tornou um problema anos mais tarde.”, admite Bill.
O
álbum abre com uma das músicas mais adoradas da banda, Sweet Leaf. Butler revela a inspiração para a letra: “Estávamos
gravando no Island Studios e eu fumava
alguns cigarros da marca Sweet Afternoon que
tinha acabado de trazer da Irlanda e que só existiam por lá. No maço estava
escrito ‘It’s the sweetest leaf that
gives you the taste’ (N.T: é a folha mais doce que te dá o sabor). Então Ozzy leu frase e disse ‘O que será que
dá pra escrever sobre isso?’, então já pensei ‘Sweet Leaf – yeah’’’’ -
referindo a uma outra "folha" que pintava naquele estúdio.
Embora
muitos ainda acreditem que foi Ozzy quem deu a famosa tossida que inicia a
faixa, na verdade foi Tony Iommi quem se engasgou perto do microfone depois de
dar uma bela tragada num baseado enquanto as fitas de gravação ainda estavam
rolando entre uma música e outra. No fim daquele dia, quando o engenheiro de som
se deparou com a tossida, sugeriu a Ozzy a ideia de utilizá-la na canção, o que
agradou o músico. No dia seguinte estava pronto um loop bem curto que resolveram encaixar logo no começo, já que tinha
tudo a ver pelo fato de a letra tratar da erva proibida.
Para
After Forever, Iommi escreveu uma
letra que falava abertamente sobre a crença no Cristianismo de forma positiva,
afastando-se da temática sombria com que Geezer tratou sobre religião no
passado. Bill Ward comenta sobre o assunto: “Anteriormente falamos sobre o lado
negro das coisas e ainda penso no Sabbath como uma força escura, mas não
estávamos descartando o Cristianismo.”. Mas é claro que Butler não deixou de
desenvolver o tema no qual é especialista e na pesadíssima Lord of This World volta a tratar dos
assuntos obscuros da nossa existência, após um belo instrumental de
violão clássico intitulado Orchid.
Assim
como War Pigs no disco anterior, Children of the Grave é a faixa com temática anti-guerra da vez. “Quando começamos a tocar a música na turnê pelos
Estados Unidos, foi bem na época em que os veteranos da Guerra do Vietnã
estavam voltando pra casa. Muitos deles iam aos nossos shows na cadeira de
rodas e quando tocávamos essa canção ou War
Pigs, eles chegavam até a frente do palco e erguiam suas bandeiras cantando
junto. Era muito emocionante”, lembra Bill. Ela começa com uma faixa que serve
como introdução chamada Embyo e
desemboca num ritmo cavalgante que marcou época e arrepia até hoje, sendo obrigatória
em qualquer show de todas as fases da banda. O final assustador composto por
sintetizadores foi chamado de The
Haunting.
Solitude é a música mais calma e
viajante, lembrando Planet Caravan do
segundo disco, e mostra a versatilidade dos músicos na composição. Mikael
Akerfeldt, fã confesso e incondicional do Sabbath, a executou na atual turnê do
Opeth. Confira a versão: http://www.youtube.com/watch?v=jtpZEk41bVY
Em seguida, Into the Void fecha com chave de ouro e
é minha favorita! Iommi não economizou nos riffs e desfila um atrás do outro
até não caber mais, com mudanças de andamento o tempo todo.
Capa da edição brasileira (1976) |
Com
mais de meio milhão de cópias vendidas antecipadamente, o LP foi lançado nos
Estados Unidos em Julho de 1971 e um mês depois no Reino Unido, onde alcançou o
número 5 nas paradas. Já na América,
ficou com o oitavo lugar, permanecendo por quarenta e três semanas entre
os mais vendidos, tornando-se disco de ouro em questão de semanas e alcançou a
platina em 1986. O álbum só chegou ao Brasil em 1976 e, pra piorar, os fãs
tiveram que se contentar com uma capa que trazia a grafia do “Black Sabbath”
impresso com letras coloridas que parecem infantis e ridículas quando
comparadas às originais. No lado de dentro da embalagem havia um pôster que
trazia uma foto da banda embaixo de uma árvore tirada por Marcus Keef, o mesmo
fotógrafo responsável pela icônica foto que acompanhava o disco de estreia dos
ingleses. Assim como em Paranoid, nenhum single foi extraído, embora tenha sido
prensado um promo de 7 polegadas contendo Children
of the Grave no lado A e do outro lado o Status Quo (companheiros de gravadora na época), tocando Roadhouse Blues, cover do The Doors e que pode ser conferida no clássico Piledriver, de 1972. Hoje,
esse seven inch se tornou raríssimo e é sonho de consumo para colecionadores
aficionados.
Pôster que acompanhava o Master of Reality |
Após
o lançamento, a banda caiu na estrada para sua mais ambiciosa turnê até aquele
momento: foram quatorze meses praticamente ininterruptos, tirando apenas três
semanas em que foram obrigados a cancelar algumas datas enquanto Ozzy se
recuperava de uma laringite e Iommi de uma gripe. Ninguém é de ferro!
Sendo
o álbum predileto de Bill Ward, ele o encaixa perfeitamente na discografia da
banda: “Eu sempre olho para os três primeiros álbuns como parte do mesmo
período para nós. Foi Master of Reality que
definiu o quão bons nos tornamos. A banda atingiu o ápice com ele. Quando ouço os primeiros discos, percebo que
nos encontramos neste. Marcou um ponto em que depois começamos a nos desenvolver
para outro caminho.”.
A
influência que o disco exerce até hoje é incalculável. Inúmeras bandas de Heavy
Metal, Doom Metal, como o Trouble de Chicago, e Stoner, vide os californianos
do Kyuss, foram atingidos por esse clássico, que foi fundamental para o
surgimento desses estilos. Falar dos riffs insanos de Tony Iommi e dos talentos
únicos de cada músico é chover no molhado. Fato é que ninguém pode negar que a
sonoridade pesada que a obra carrega é um marco para a história, assim como
quando sua autointitulada estreia foi lançada e virou o rock de cabeça pra
baixo.
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