A
Itália não tinha muita tradição no rock até o final dos anos 60, produzindo
apenas algumas bandas de beat sem
muito sucesso. Porém, durante os agitados “Anos de Chumbo”, como ficou
conhecido o período dominado por partidos políticos de esquerda entre as décadas de 60 e 80 em que ocorreram muitos ataques
terroristas devido a conflitos decorrentes de visões extremistas,
muitos escolheram a música para expressar sua revolta contra o status quo. Diante dessa efervescência, muitos
jovens passaram a tocar música clássica com uma roupagem de rock, o que foi a
base para o que conhecemos por Rock Progressivo Italiano (RPI).
Existem
alguns elementos que tangenciam as bandas de Rock Progressivo surgidas naquele
país durante os anos 70 que nos permite tratar esse estilo como um caso à
parte. Primeiramente, percebe-se a clara influência de música erudita e o uso
de referências à rica e diversificada música regional, como a ópera. Muitos
elementos culturais também dão contornos à sua identidade, vide as famosas
interpretações repletas de dramaticidade por parte dos vocalistas. Quem ouve
Banco Del Mutuo Soccorso não duvida disso. Definitivamente as teclas (hammond,
moog, piano, órgão, mellotron) comandam o RPI, sendo muito comuns a presença de
flautas, violinos, violoncelos, além do uso, por vezes, de instrumentos típicos
como mandoloncello e
clavicembalo, que dão um tempero ainda mais especial para esse movimento.
É claro que a marca registrada da língua
italiana não poderia deixar de ser comentada. Embora muitos discos-chave do estilo
tenham sido traduzidos para o inglês em busca de reconhecimento internacional,
a língua original não deve ser desconsiderada quando se quer entender o prog italiano. Inicialmente pode causar estranheza, mas conforme a audição vai
fluindo, logo percebe-se que não existe idioma mais propício para harmonizar
com a alma interpretativa do gênero.
Muitas dessas bandas conseguiram se manter
por muito tempo e estão ativas até hoje, porém muitas estacionaram no primeiro
registro, o que torna a pesquisa por grupos desconhecidos um garimpo quase
infinito. Num primeiro momento, a intenção aqui é justamente apresentar dez das
melhores bandas que lançaram apenas um disco, desconsiderando álbuns que
algumas colocaram no mercado décadas depois, já que a imensa maioria não manteve
a formação original e são títulos que não representam a época em que as bandas
surgiram, sendo inexpressivos até mesmo para os mais entusiastas. Na segunda
parte da matéria, serão incluídos grandes nomes como Premiata Forneria Marconi,
Le Orme, Banco Del Mutuo Soccorso, Area, entre outros que tiveram uma carreira
mais prolífica.
Por enquanto, esse é o Top 10 das bandas
clássicas e obscuras de um só disco em ordem cronológica:
Reale Accademia di Musica - Reale Accademia di Musica (1972)
Inicialmente
chamavam-se I Fholks e chegaram a abrir shows para o Pink Floyd e Jimi Hendrix
em Roma, sua cidade natal, em 1968. Após algumas alterações na formação,
mudaram o nome para Reale Accademia Di Musica e fizeram um relativo sucesso na
época. Lembra um pouco o Locanda Delle Fate devido às belas linhas melódicas
suaves. No geral é um disco de atmosfera serena e bucólica, à exceção de Vertigine,
que é um pouco mais pesada.
Em
1974, ocorreram algumas mudanças no seu line-up
e serviram como banda de apoio para o cantor e compositor Adriano Monteduro,
lançando um único disco que foi co-creditado ao Reale Accademia, mas que tem
uma sonoridade mais puxada para o soft rock e quase não lembra o rock progressivo que faziam em 1972.
Campo di Marte – Campo Di Marte (1973)
Quando foi gravado em janeiro de 1973,
fazia pelo menos dois anos que o disco tinha sido composto e ensaiado. Essa
demora atrapalhou a trajetória do grupo, pois seu líder já encaminhava outros projetos devido ao desânimo com o atraso do lançamento.
Campo
di Marte foi inteiramente composto
pelo seu guitarrista, líder e idealizador, Enrico Rosa. Musicalmente, ele foge
um pouco do padrão do estilo já que o vocal é praticamente nulo, dando ênfase
ao instrumental liderado pela guitarra, o que evidencia a sonoridade puxada
mais para o Hard Prog como na faixa de abertura Primo Tempo,
embora belos arranjos acústicos de violão e flauta se fazem presentes. Outro
destaque é o baixo palhetado do americano Richard Ursillo, que por vezes remete
ao mestre Chris Squire. Fato curioso é que Ursillo quis assinar os créditos
como Paul Richard, só para ter um nome
que soasse menos italiano. Esse foi o único disco do RPI a ser lançado pela major
United Artists.
Com o passar dos anos o disco adquiriu o
status de cult, o que fez com que Enrico reunisse o grupo para alguns
shows em 2003 e deles foi extraído o ao vivo Concerto Zero, que ainda
traz uma apresentação de 1972 como bônus.
Museo Rosenbach – Zarathustra (1973)
Uma
das bandas mais pesadas da cena, o Museo Rosenbach não pode passar batido de
jeito nenhum. Zarathustra,
música divida em cinco partes abre a obra-prima passando dos 20 minutos.
Baseada no livro homônimo de Nietzsche, possui um clima bem carregado com
muitas levadas de Hammond e guitarras cortantes que cativam até o último
instante. As outras três músicas restantes mantém a mesma atmosfera tensa que o torna marcante e único dentre os
demais conterrâneos. Acusados de envolvimento com o fascismo devido à presença
da imagem de Mussolini na colagem da capa e às letras inspiradas em Nietzsche,
sumiram do mapa com medo de retaliações do regime vigente, o que torna grupo
ainda mais lendário. É o favorito da casa!
De De Lind - Io Non So
Da Dove Vengo e Non So Dove Mai Andrò,. Uomo E’Il Nome Che Mi Han Dato
(1973)
A
Mercury Records não costumava lançar bandas de RPI, mas acertou em contratar o De
De Lind, pelo menos do ponto de vista artístico. Hoje o disco original é uma
raridade, mas a Vinyl Magic o relançou em CD (réplica do vinil) e numa bela
versão gatefold em LP. Curiosamente,
o título do álbum é um dos mais longos que já vi, que traduzido quer dizer algo
como “eu não sei de onde vim e não sei onde estou indo. Homem é o nome que me
foi dado.”.
Quando
ainda eram um sexteto, gravaram três singles
inexpressivos, mas em 1973 já haviam reduzido para cinco pessoas e
registraram essa bela obra. Embora Gilberto Trama toque flauta, sax e teclados,
sua especialidade era mesmo o sopro, com passagens remetendo a influências
óbvias ao Jethro Tull como em Smarrimento,
que define bem as alternâncias de belos arranjos acústicos com partes
direcionadas à guitarra. Outro destaque é a utilização do tímpano, instrumento de percussão tipicamente utilizado em orquestras, o que confere
tonalidades densas em certos momentos, como logo na faixa de abertura Fuga e Morte.
Após
tocar em alguns festivais em 1973 nas cidades de Roma e Nápoles, a banda se
desmanchou e o vocalista Vito Paradiso arriscou uma curta carreira solo de 1978
a 1980, mas o que importa mesmo é o legado deixado pelo De De Lind como um dos
melhores álbuns do estilo.
Semiramis - Dedicato a
Frazz (1973)
Quem ouve não acredita que esse grande clássico foi gravado por adolescentes com
idade média de 15 a 16 anos. A maturidade e complexidade das composições não
correspondem ao curto tempo de vida dos italianos prodígios. Cada faixa soa de um
modo diferente, mas as influências de folk, música clássica, barroca, além de
alguns experimentalismos, são unânimes entre elas. O vibrafone em Uno Zoo Di Ventre
torna a música sublime e a complexidade de Per Un Strada Affolataé de cair o queixo!
Michele
Zarrillo, guitarrista e principal compositor, tornou-se um cantor muito popular
na Itália durante os anos 80, mas sua carreira solo destoa bastante do que
fazia na década anterior. Dedicato a
Frazz tem nuances originais que os diferenciam das outras bandas, sendo
essencial e surpreendente a todo momento, ainda mais quando pensamos na idade
de seus integrantes à época.
L' Uovo di Colombo -
L' Uovo di Colombo (1973)
Surgida
em Roma, essa banda registrou grandes interpretações do vocalista Toni Gionta.
A parte instrumental consiste num belo trio bateria (Ruggero Stefani), baixo (Elio
Volpini) e teclados (Enzo Volpini) em que o último se sobressai aos demais, com
a guitarra aparecendo em algumas ocasiões, como na marcante Consiglio.
Sua maior característica são as
linhas melódicas, que não chegam a ser tão complexas quando comparadas a outros
exemplares do gênero, como o Maxophone, por exemplo. O que atrai no disco é a
fácil assimilação de suas oito músicas, que não passam dos cinco minutos. O
grupo se desmanchou pouco tempo depois de seu lançamento por falta de apoio da
gravadora e seus membros foram para outras bandas. Elio Volpino formou o Etna
com seus ex-companheiros do Flea (on the honey), Gionta mudou seu nome para
Tony Tartini e se envolveu com o Cherry Five e Rugerro foi tocar com o Samadhi.
Biglietto Per L’Inferno – Biglieto Per
L’Inferno (1974)
Esse grupo de Lucca foi um dos mais
populares durante o curto período de sua existência, sendo venerado por muitos
fãs na época e ainda hoje mantém sua fama para as novas gerações. Sua música é
caracterizada por rápidas transições de passagens acústicas para levadas agitadas
de puro Hard Progressivo, como pode ser conferido na sombria L' Amico Suicida.
A banda possuía dois tecladistas, Giuseppe Banfi e Giuseppe Cossa, o que torna
as linhas do instrumento muito grandiosas. Apesar do nome, eles não tinham nada
de satânicos e suas letras giravam em torno de temas sociais e psicológicos. Em
2004 chegou ao mercado o sonho de consumo para os colecionadores: um box
completíssimo incluindo versões remasterizadas deste clássico e de um outro
disco lançado em 1992, um CD ao vivo contendo uma performance de 1974, um DVD
com imagens gravadas no mesmo período, além de um encarte com 116 páginas.
Maxophone – Maxophone (1975)
Esse
único e excelente disco do Maxophone tem que entrar obrigatoriamente nas
prateleiras dos fãs de Prog. Mistura
influências de folk como o Jethro Tull, com um toque de Gentle Giant e melodias
vocais que remetem aos melhores momentos do Genesis. Em faixas como Fase, a banda se aproxima do Jazz-Rock, mostrando a característica variada que
o LP possui. O ponto-chave aqui é equilíbrio entre as músicas e as mudanças de
andamento, o que torna a audição bem dinâmica. Disputa no topo da lista para
ser considerado o melhor álbum de todos os tempos dentro do estilo.
Para
celebrar os 30 anos da obra, a BTF lançou um box contendo um CD com dez
músicas, dentre elas demos, sobras de estúdio, versões alternativas e um DVD
com cinco faixas ao vivo e mais 20 minutos de entrevistas.
Locanda Delle Fate - Forse
Le Lucciole Non Si Amano Piu (1977)
A
presença de dois guitarristas e dois tecladistas é o diferencial para suas
músicas influenciadas pelo lirismo e romantismo do país de origem, construindo,
seguramente, um dos álbuns mais belos e sutis do estilo. A suavidade dos arranjos percorre todas as
faixas e é difícil apontar um destaque devido à sua uniformidade, mas ficaria
com a instrumental de abertura A Volte Un Instante Di Quiete
e a próxima, Forse Le Lucciole Non Si Amano Più. Infelizmente o Locanda surgiu no fim do
movimento progressivo na Itália, em 1977, pois certamente teria obtido mais
êxito caso tivesse despontado anos antes enquanto a cena crescia. Quem gosta de
progressivo sinfônico não pode deixar ouvir!
Buon Vecchio Charlie - Buon Vecchio Charlie (1990)
Uma
das maiores injustiças da história do RPI, esse álbum foi originalmente foi gravado
em 1972, mas ficou na gaveta até 1990 quando foi descoberto pela pequena
gravadora japonesa Melos. A banda conseguiu mostrar seu talento ainda na década
de 1970, chegando receber o título de “Melhor Banda Italiana” em 1974 no
conceituado festival Rome Villa Pamphili. Mesmo assim, ninguém quis
contratá-los.
Guiados
pela flauta e com fortes influências de música clássica com toques jazz, seu
som pode ser comparado ao Collosseum, Genesis, ELP sem dever nada para esses
medalhões. Possui apenas três faixas que com certeza irão agradar aos
apaixonados pelo estilo. A última, All'Uomo Che Raccoglie I Cartoni,
é dividida em cinco partes, mas o destaque fica com a bem-humorada faixa de
abertura Venite Giù Al Fiume.
Excelente texto! Bem escrito e com muito conteúdo, parabéns. Não vai postar a parte II? Abraço
ResponderExcluir