domingo, 13 de janeiro de 2013

Classic Albums: A história por trás de Sabotage




Pôster de divulgação do California Jam
Em 1974, o Black Sabbath estava exausto após a cansativa rotina de gravações e turnês ininterruptas durante anos. Tony Iommi passou por uma crise de stress durante a turnê de divulgação do Sabbath Bloody Sabbath e todos sentiram que era a hora de tirar um merecido descanso. Em suas casas, na Inglaterra, receberam um convite para tocar no California Jam, festival também encabeçado pelo Deep Purple e ELP, que ocorreria no Ontario Motor Speedway. A primeira reação da banda foi rejeitar a proposta, mas foram obrigados pelo empresário Patrick Meehan a viajar para os EUA no meio de suas férias para a apresentação. Diante das mais de 300.000 pessoas, os ingleses chegaram ao autódromo de helicóptero com toda a pompa de rockstars que haviam se tornado e não fizeram feio. Descarregando clássicos como War Pigs, Killing Yourself To Live, Children Of The Grave e Snowblind, agitaram muito o público, embora a briga de egos entre Iommi e Ozzy tenha forçado o carismático vocalista a cantar no canto do palco, enquanto o guitarrista, quase estático, se posicionava mais ao centro. Um absurdo que perdurou até a saída de Ozzy, em 1979.

Em cima do palco, o Sabbath foi profissional e fez um grande show, mas nos bastidores o ambiente com o empresário era dos piores e todos começaram a desconfiar dele. “Patrick Meehan nunca dava uma resposta direta quando perguntávamos quanto dinheiro estávamos ganhando”, reclamou Ozzy numa entrevista anos mais tarde. Geezer Butler foi mais enfático:  “Sentimos que estávamos sendo roubados.”.

A história do empresário com a banda começou em 1970, quando acharam que Jim Simpson não conseguiria mais dar conta do recado após o lançamento de dois álbuns que entraram na lista dos dez mais vendidos no Reino Unido e com sucesso repentino que os atingiu. Meehan, que era assistente do todo poderoso Don Arden, chegou para colocar a banda nas vitrolas e palcos do mundo inteiro. “No começo ele realmente elevou nosso nível. Foi quem nos levou até a América.”, relembra Iommi. Os três álbuns seguintes, Master Of Reality, Vol. 4 e Sabbath Bloody Sabbath chegaram ao Top 10 no Reino Unido e ao Top 20 nos EUA. Em 1974,  todos já possuíam carros de luxo, mansões e esbanjavam dinheiro.

Porém, desconfiados e cansados das suas atitudes autoritárias, o Sabbath decidiu demitir o empresário pouco tempo depois do California Jam. É óbvio que Patrick não iria largar uma das maiores bandas de rock do mundo tão fácil. Foram processos judiciais, inesgotáveis negociações, reuniões com advogados que atrasaram e tumultuaram as gravações do próximo disco. O título escolhido não poderia ser mais propício: Sabotage representava o sentimento de todos diante da situação. Tudo isso refletiu em sua sonoridade, como explica Tony Iommi: “Estávamos no estúdio um dia e nos tribunais ou numa reunião com os advogados no outro. Isso tornou o som um pouco mais pesado do que no Sabbath Bloody Sabbath. Minha guitarra estava mais pesada. Isso tudo veio em decorrência do nosso sentimento em relação ao negócio da música, empresários e advogados.”.

Mais uma vez, todos se reuniram no Morgan Studios, em Willesden, noroeste de Londres, e lá ficaram por quatro meses a partir de Fevereiro de 1975. Para quem gravou um álbum de estreia em três dias pela bagatela de 600 Libras, era um tempo/custo inimaginável que enlouqueceu todos. Butler definiu seu estado mental durante esse período em quatro palavras: “Preocupado, cansado, bêbado e drogado.”. 

Mike Butcher, mesmo produtor do disco anterior, foi chamado novamente. Sobre a agenda atrasada das gravações, comentou: “Chegava ao estúdio às duas da tarde, mas ninguém aparecia até umas quatro. Como o Morgan tinha um bar, era lá  que eles ficavam esperando até todos chegarem. Então, na maioria dos dias começávamos a trabalhar às nove e íamos até uma, duas da manhã do dia seguinte.”.

A bebedeira continuava dentro das salas de gravação 3 e 4  do estúdio, além da presença de notáveis quantidades de maconha e cocaína em que se afundavam. Embora alterados, todos conseguiam gravar. Butcher se lembra de apenas uma ocasião em que não puderam registrar nada: “Como tudo era gravado ao vivo, a banda sempre pedia para que Ozzy cantasse junto enquanto estivessem tocando. Mas teve somente uma única vez em que Ozzy estava desmaiado de bêbado no sofá e ninguém podia fazer nada.”.

A ideia de Iommi era lançar um álbum com uma sonoridade mais direta em oposição ao complexo disco anterior, que continha muitos elementos de rock progressivo como orquestras, experimentos e ainda contava com a presença de Rick Wakeman, tecladista do Yes. “Poderíamos ter continuado ficando mais técnicos, utilizando orquestras e tudo mais, mas queríamos fazer um disco de rock.”,  disse o guitarrista. Embora fosse essa a sua intenção, ouvindo o álbum percebe-se tons experimentais e ele soa bem variado, no geral.

O disco abre com um zumbido de amplificadores ligados e com o produtor gritando “Attack!”. Trata-se de uma piada interna entre eles, conforme Mike Butcher explica: “O Sabbath tinha uma banda de abertura que o empresário ficava gritando “Attack! Attack”  atrás deles no palco. Então eu gritei isso da sala de controle através do Tannoy.”. (N.T: Tannoy é uma marca de alto-falantes). Hole In The Sky é uma típica pedrada do Sabbath, com direito aos riffs certeiros e marcantes de Iommi e letra mais profética que Geezer já escreveu, segundo o mesmo: “O mundo ocidental estava indo contra o oriente, o buraco na camada de ozônio, o futuro com os carros. Parecia que tudo que ficava ao leste da Europa representava uma ameaça. O Japão evoluindo no mundo dos negócios, Mao dominando a China, a União Soviética com a guerra nuclear e o Oriente Médio estava uma confusão, como sempre.”.

Em contraste a uma pequena peça instrumental de violão clássico, Don’t Start (Too Late), surge um dos riffs mais pesados de todos os tempos na clássica e filosófica Symptom Of The Universe: “A música era sobre amor, destino e crença. Amor é a sintonia que nos leva adiante na vida. Morte é a cura, mas o amor nunca morre. Eu estava me sentindo religioso e tudo na minha vida parecia predestinado.”, comentou Geezer. A fúria de Iommi contra o  ex-empresário escorreu pelos seus dedos e criou essa pérola do Heavy Metal. Para aliviar a tensão, a música termina com um ritmo funky criado enquanto faziam uma jam no estúdio, adicionando um overdub de violão posteriormente.

O lado experimental do disco fica registrado na instrumental Supertzar, utilizada na abertura de muitos shows de diversas formações ao longo da carreira. Sombria como a faixa que dá nome à banda, conta com a participação do coral da English Chamber Choir, descrito por Bill Ward como “cântico demoníaco”, e com o baterista tocando os Tubular Bells, que ficaram famosos na obra Mike Oldfield incluída como tema do filme “O Exorcista”, de 1973. Segundo Ozzy, a música soa como “Deus conduzindo a trilha sonora para o fim do mundo.”.

A variação continua na pop Am I Going Insane (Radio), composta por Ozzy num moog. Ward relembra: “Oz deixou todos malucos com aquele moog, mas a música era boa. De um ponto de vista, foi como uma precursora da sua carreira solo. Sua personalidade está transbordando nela.”. O Radio incluído no nome confundiu a cabeça de muitos que acharam ser referência à música comercial, feita para as rádios, diante da sua sonoridade pop. Na verdade trata-se de uma espécie de gíria inglesa, Radio Rental, que significa “louco”. “É uma música definitivamente autobiográfica de Ozzy.”, comentou Butler.

Ainda mais autobiográfica era a letra de Ozzy para a música que fechava a bolacha, The Writ. O vocalista claramente a dirige para Patrick Meehan, “What kind of man do you think we are, Another joker who`s a rock and roll star for you, just for you” e  “A lot of promises that never come true, You’re gonna get what’s comming to you, that’s true, I hate you, Are you Satan, are you man, You’ve changed a lot since it began”, entregam as cartas sobre quem ele estava falando. A faixa tinha um efeito terapêutico para ele: “Era como ir a um psicólogo. Toda a raiva que eu tinha por Meehan acabou vazando.”. As risadas do início foram registradas por uma amigo australiano de Geezer, que foi convidado para participar enquanto estava visitando Londres.

Um mês após o término das gravações, durante a primavera de 1975, Mike Butcher foi para Nova Iorque rever a mixagem e a masterização de Sabotage. Foi nessa viagem que o produtor acrescentou ao final de The Writ um pequeno pedaço de uma canção intitulada Blow On The Jug, sem o conhecimento da banda.  O produtor explica: “Os microfones ficavam instalados por todo o estúdio. Então uma noite Ozzy e Bill estavam brincando no piano e resolvi gravar.”.  Irritado, Bill Ward conta a sua  versão da história: “É uma grande coisa idiota. É uma música de bêbados que eu e Ozzy cantávamos juntos numa van ou num avião. Sou eu tocando piano e Ozzy assoprando numa garrafa de sidra, como se fosse uma tuba.”.

Uma curiosidade fica por conta da roupa que Bill veste na foto da capa. Acreditem, a calça leg vermelha pertencia à sua mulher, como ele explica: “Eu tinha um par de jeans que estava muito sujo, então minha mulher me emprestou uma calça. Para que minhas partes íntimas não ficassem muito salientes por baixo da roupa apertada, peguei uma cueca emprestada do Ozzy porque eu também não tinha nenhuma.”. O figurino do vocalista também não é dos melhores, com sua veste tipicamente japonesa que lhe rendeu a apelido de "homo in the kimono", satirizado pelos seus companheiros. Esse visual desarmônico pode ser o reflexo de tudo que estavam passando. "É o caos personificado.", comentou Butler sobre a capa.

Sabotage foi lançado em 27 de Junho de 1975 e foi bem recebido, chegando ao sétimo lugar no Reino Unido, mas nos EUA ficou com a vigésima oitava posição, uma decepção depois de quatro discos seguidos figurando no Top 20. A Rolling Stone ficou empolgada na época e escreveu: “Sabotage não é somente o melhor desde Paranoid, mas pode ser o melhor que já lançaram.”.
                                                                                                    
O disco foi o último clássico indispensável da fase com Ozzy no grupo, visto que os próximos, Technical Ecstasy (1976) e Never Say Die! (1978), são apenas medianos e pouco inspirados. Vivendo no meio de um turbilhão de brigas judiciais, cansaço físico e mental, os ingleses conseguiram superar as adversidades e registrar uma bela obra que influenciou gerações, vide o cover de Hole In the Sky (ouça aqui) do Pantera e a versão destruidora de Symptom Of The Universe do Sepultura (ouça aqui). Recentemente, Bill Ward comentou: “Foi tão difícil para fazermos esse álbum, mas quando o ouço novamente agora... Deus, é incrível.”.